Capítulo 3

Gira em torno de um gigante estrela flamejante chamada Sol, uma pedra azul chamada Terra. Outras oito pedras trilham o mesmo caminho no espaço, presas à gigante estrela. Um sistema planetário concebido para cumprir um propósito desconhecido, cuja existência e duração são indeterminados, desconhecidos. O planeta azul vaga em sua órbita, carregando em suas costas centenas de milhares de toneladas cúbicas; todo o peso de sua existência, os erros e os maltratos daqueles que carinhosamente chama de filhos. Em seu interior, um coração mecânico range e espera.

A salvos dentro do saco de papel pardo, os bombons trufados aguardam o momento em que Gabel recobrará a consciência e perceberá que seu estômago está vazio. Estirado no chão batido, Gabel jaz inconsciente há quarenta e sete minutos. O relógio de pulso estilhaçado com o impacto da queda provocou pequenas feridas no pulso de Gabel. Alguns ratos de pêlos espetados aproximam-se do corpo caído atraídos pelo cheiro do sangue e dos bombons trufados. As baratas chegaram antes e uma delas escala com dificuldade os cabelos úmidos de Gabel. Mesmo desacordado, o homem fala como se estivesse sonhando; os olhos e REM, leves espasmos. Involuntariamente, seu braço esquerdo lança a mão retesada em direção à testa e esmaga a barata escaladora. O forte golpe acorda Gabel. As baratas e ratos ao redor saem em disparada deixando Gabel apenas na companhia do saco de papel pardo e seus bombons trufados.

Após muito questionar-se sobre onde está e como chegou ali, Gabel decide seguir caminho pelo que configura-se ao seu redor como sendo um túnel do sistema de esgoto sob a cidade. Escorado na parede de onde vertem pequenos veios de água após longo tempo de caminhada, Gabel sente seu estômago contorcer-se, inane. Ainda com a mão fechada que segura o saco de papel pardo com os bombons trufados, o homem contorce-se com as reclamações de seu estômago. O som do papel amassando-se a cada aperto o deixa a par de que a solução está em suas mãos, literalmente. Despido de todos os bons modos de que fez bom uso e pelos quais era conhecido até então, Gabel rasgou a boca do saco de papel pardo e sacou de seu interior dois bombons trufados, enfiando-os de uma só vez em sua boca. O sabor daquela iguaria o faz tremer, a energia do açúcar contido ali inunda até o mais recôndito dos lugares de seu corpo. Pronto para arrancar do saco de papel pardo mais um dos bombons trufados, Gabel, já com a mão dentro do saco, ouve um coro que festeja em voz finíssima. Assutado e curioso, olha para os lados a procura da fonte daquelas vozes. Trazendo distraidamente para sua boca mais um bombom trufado, Gabel não percebe os pequenos olhos e a boca sorridente do pequeno ser que está em suas mãos. A criatura entra em sua boca e, mais uma vez, ouve-se o coro de vozes finíssimas, festejando.

Mais temeroso que curioso, Gabel continua o caminho tateando a parede úmida. Mais algumas horas em frente sem poder ver nada, o homem sente que a parede em que antes se apoiava não é mais parede e sim pedra. Pedra morna. Seus olhos percebem na distância um trêmulo e tímido foco de luz. Com a esperança de estar prestes a se livrar daquele lugar, e sem ter a mínima idéia de ter andado naquela escuridão por dias, Gabel primeiro apressa o passo, ofegante. Passos largos transformam-se em passos rápidos e logo em uma corrida desesperada. Os sapatos de couro perdem o salto e seus pés são agredidos pelo chão duro, por pedregulhos pontiagudos. Vapor emana das paredes de pedra e do chão. Gabel sua, seu rosto brilha com a luz amarelada que agora invade todo o túnel. O som metálico de engrenagens rugindo, peças que colidem umas nas outras reverberam nas paredes de pedra. Gabel só ouve sua respiração.

Abre-se a sua frente uma enorme grota, uma boca que goteja o suor das entranhas do planeta. O som das engrenagens se torna mais alto e Gabel quase não ouve a voz que grita em sua direção através de um gigantesco megafone.

– Ora, já não era sem tempo! Finalmente enviaram-me um auxiliar!

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